Crônica: rua Hum

Era uma rua, talvez uma viela, pois não passavam dois carros lado-a-lado, além de ser uma rua, talvez viela, ‘sem saída’.

Mas era mais que uma rua ou viela, ela tinha uma identidade, dada pelos seus e reconhecida pelos outros: era a Rua Hum.

Ambiente seguro para a molecada. E quanta molecada! A regra tácita era que os quintais e mangueiras eram propriedades comuns, onde qualquer pivete podia adentrar e tomar água da mangueira. 

As calçadas eram como mesas de bar infantil, eles se sentavam, os pivetes, e conversam por horas a fio. Eram todos pobres em uma viela pequena de um bairro periférico situado em uma cidade imensa. Um bairro pobre em uma cidade rica. 

Os pivetes eram felizes, ao menos em seu ambiente de igualdade, pobre, mas igual. O brincar era o mais importante, jogar bola, bolinha de gude, rodar pião, correr no pique esconde, na mãe da rua; eram muitas as fontes de diversão. Internet? Não, o tempo é anterior a ela, em sua chegada todos eles já eram adolescentes, alguns trabalhadores seguindo a sina de todo adolescente pobre: menos estudar e mais trabalhar, afinal é preciso trazer dinheiro para casa.

Os pivetes, hoje homens, uns foram bem-sucedidos e outros nem tanto. Uns ainda estão na capital, outros no interior e outros em outros Estados. Infelizmente alguns mortos, e outros presos. O sol nasceu e se pôs para todos, alguns tiveram mais sorte, outros fizeram escolhas erradas. A aleatoriedade da vida tomou para si alguns. 

A Rua Hum, apenas mais uma rua entre milhares de rua da cidade de São Paulo, mas era a Rua Hum, única e ainda viva, hoje com outros pivetes escrevendo suas próprias trajetórias.

Gostou? Compartilhe!

Inscrever
Avisar
guest
0 Comentários
Inline Feedbacks
View all comments